Desde a popularização dos computadores pessoais, em meados dos anos 1990, muitas escolas incorporaram a informática em seus currículos. Entretanto, de acordo com a bióloga e professora Mônica Fogaça, “trata-se de uma orientação hierarquizada, que não ouve os interesses e conhecimentos dos alunos”.
Mônica é autora de uma pesquisa recente feita na Faculdade de Educação (FE) da USP que verificou como a utilização de blogs pode auxiliar o aprendizado de estudantes do ensino fundamental nas aulas de Ciências.
“Além de mudar a relação da informática na escola, tentamos também influenciar a formação dos jovens numa direção mais solidária e coletiva”, diz.A tese de doutorado “Blog no ensino de ciências: uma ferramenta cultural influente na formação de identidades juvenis” foi realizada durante os anos de 2009 e 2010, com os alunos de Mônica do 9º ano do Ensino Fundamental do Colégio Marista Arquidiocesano, localizado na zona sul de São Paulo, onde também coordena a área de ciências.
Na atividade, os estudantes tinham de manter um blog, no qual escreviam sobre os conhecimentos aprendidos em sala. “Dei liberdade a eles no texto: podiam usar a linguagem que quisessem, até mesmo gírias de internet. Só não eram permitidos ofensas e plágio”, conta a bióloga.
Ela relembra que, no começo, os artigos dos alunos eram recheados de humor. “Eles achavam que ler não tinha graça, então usavam muitas brincadeiras pra fazer as pessoas continuarem lendo”, explica. No fim do ano, porém, segundo Mônica “os textos cresceram, usando termos técnicos, propondo discussões amplas e até chegando a ser politizados”.
“Eu me remexo muito”
Durante a pesquisa, 66 blogs foram analisados no aspecto geral. Numa segunda fase do trabalho, Mônica analisou dois desses sites qualitativamente, verificando as diferenças e as evoluções dos discursos ao longo do curso.
O ano letivo foi dividido em três trimestres, e cada um com um tema específico. O primeiro, “Eu me remexo muito”, abordava a ciência presente nas práticas corporais juvenis, como circo e handebol. “Um caso interessante foi o de alunas que desenvolveram um trabalho sobre balé. Elas não se sentiam confiantes para escrever e não tinham boas notas, mas depois nunca mais foram chamadas para recuperação”, rememora Mônica.
Para a escolha do tema seguinte, foi realizado um mapeamento de interesses com os alunos. “Dá pra pensar muitas coisas ouvindo o que eles desejam fazer”, conta a professora, que ainda ressalta que “precisamos também tentar falar a língua dos jovens. Não existe uma cultura jovem, existem diferentes culturas jovens, e é preciso se manter em contato com eles a todo momento.”
Pais e alunos
No segundo trimestre, “Estética na cultura juvenil” foi o assunto principal dos textos dos alunos, com conhecimentos de Química e Ecologia aparecendo lado a lado de uma visão crítica sobre a ditadura da beleza.
Para encerrar o ano, “Se liga, bro!”, falava sobre telecomunicações, também discutindo propaganda e consumismo. “Aqui, foi interessante o trabalho de autocrítica, porque os alunos pertencem a uma classe privilegiada. O maior ganho foi a redução do preconceito, que é uma das metas do nosso projeto pedagógico. Com isso, os estudantes também passaram a se relacionar melhor entre si”, ressalta.
A professora conta que os pais que tiveram acesso foram bem receptivos ao projeto. “Eles acharam impressionante ver os filhos se envolvendo com a pesquisa para os textos, até porque muitos jovens têm por prática manter a cibercultura isolada dos pais para que eles não tenham acesso ao seu mundo.”
Em compensação, segundo Mônica, “alguns professores achavam errado dar a liberdade de escrever como quiser, pela fuga da gramática normativa. Isso é mais uma prova da exclusão da cultura do jovem”.
Os alunos, porém, adoraram, constatou a professora. “Para eles, criou-se um território só deles. No começo, ninguém queria fazer comentários nos blogs dos outros, mas todos adoravam ler os comentários que tinham aparecido nos textos deles. Isso me fez entender que, para os adolescentes, internet é sinônimo de conversar com os outros”, opina.
Experiência inglesa
Quando questionada sobre a presença de temas não usuais em uma aula de ciências, a professora explica que isso faz parte da proposta curricular do colégio, que trabalha com uma abordagem baseada nos “Estudos Culturais”, um campo antidisciplinar que surgiu na Inglaterra do pós-guerra.
Estudos Culturais, explica Mônica, baseiam-se no conceito de que “não existe alta ou baixa cultura, que toda cultura é válida e deve ser problematizada”.
Sobre as aplicações da abordagem no ensino de física, química ou biologia, a professora avalia que “o ensino de ciências tem que olhar mais não só os seus produtos, mas também os efeitos deles”.
O estudo foi apresentado este ano na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, orientado pelo professor Marcelo Giordan.
Fonte: Agência USP
Com informações do Blog do Professor Ivanilson
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